quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

País continua crescendo sob a cultura da impermeabilização

Para o consultor Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor da Divisão de Geologia do IPT, embora as enchentes resultem da falta de política urbana, Engenharia também tem responsabilidade nas tragédias oriundas das inundações
As regiões Sul e Sudeste do Brasil, principalmente, vêm sofrendo sérios transtornos em função do grande volume de chuvas registrado nos últimos dois meses. O Estado do Rio de Janeiro é o mais afetado, com uma série de deslizamentos de terra na região serrana do Estado, causando, até o momento, mais de 700 mortes. Os Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo também têm sido seriamente afetados pelas enchentes.

Wilson Dias/Agência Brasil

Na capital paulista, o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura de São Paulo registrou 443 pontos de alagamento no ano de 2011. O dia 10 de janeiro foi o mais crítico, com 76 pontos de alagamento registrados.
Segundo o consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente, Álvaro Rodrigues dos Santos, o problema das enchentes ocorre essencialmente por falta de política urbana. "Continuamos desinibidamente crescendo sob a cultura da impermeabilização, sob a cultura da excessiva canalização de rios e córregos e continuamos a expandir a mancha urbana por espalhamento horizontal sobre regiões progressivamente mais montanhosas", disse. Mas o geólogo também tece duras críticas à Engenharia brasileira pelo servilismo "às incongruências tecnológicas embutidas no processo desordenado de expansão da metrópole".
Confira entrevista com o consultor:
O problema das enchentes é unicamente de falta de política urbana?Essencialmente, sim. Apesar de todas essas tragédias, as metrópoles continuam a crescer cometendo os mesmos crassos erros que estão na origem das enchentes e em sua contínua intensificação. Continuamos desinibidamente crescendo sob a cultura da impermeabilização, sob a cultura da excessiva canalização de rios e córregos e continuamos a expandir a mancha urbana por espalhamento horizontal sobre regiões progressivamente mais montanhosas, desmatando, produzindo áreas planas por terraplenagem, expondo solos a violentos processos erosivos que, ao final, vão gerar anualmente milhões de metros cúbicos de sedimentos que, por assoreamento, comprometem drasticamente a capacidade de vazão de nossos rios, córregos e drenagens construídas. Essas coisas todas acontecem por total omissão da administração pública no cumprimento de seu fundamental papel de regulação técnica do uso e ocupação do solo urbano. A cidade cresce sobre o prisma da espontaneidade, sem a intervenção orientadora de políticas urbanas voltadas ao melhor relacionamento entre cidade e meio físico geológico.
E a engenharia especificamente, onde falhou?
O grande pecado da engenharia foi acomodar-se, e de alguma forma servir, às incongruências tecnológicas embutidas no processo desordenado de expansão da metrópole. Quem canalizou em excesso nossos rios e córregos? Quem projetou empreendimentos com enorme taxa de impermeabilização? Quem violenta as áreas montanhosas com terraplenagens intensas expondo o solo à erosão? Quem agora espalha os problemáticos piscinões como panacéia do combate às enchentes? A Engenharia brasileira tem perdido seu senso crítico e a capacidade e coragem de exercício mais enérgico desse senso crítico.
O que seria possível, hoje, fazer para amenizar os problemas relacionados a enchentes, principalmente em regiões densamente povoadas como São Paulo, por exemplo, onde a desapropriação da maioria das regiões, ao menos das centrais, seria inviável?
Antes de mais nada, é preciso que nossas maiores autoridades públicas estaduais e municipais tomem a decisão de parar de errar. Absurda e paradoxalmente, nós não temos até hoje essa decisão tomada. Com tomada dessa decisão, cabe então inteligentemente agir sobre o enorme passivo urbano acumulado, mas então administrável. Isso implica em não só dar continuidade às ações estruturais de ampliação da capacidade de vazão de nossos principais rios, com seu permanente desassoreamento, como também na profusa implementação de ações não-estruturais, voltadas a aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva em toda a metrópole. Destacam-se entre essas ações: desimpermeabilização dos espaços urbanos públicos e privados, instalação de pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de acumulação e infiltração, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados, rigoroso e extensivo combate à erosão nas frentes de expansão urbana, assim como ao lançamento irregular de lixo e entulho, e a concepção de um plano de combate às enchentes com articulação a nível metropolitano, que reúna todas as iniciativas sob diretrizes técnicas e gerenciais comuns.
Álvaro Rodrigues dos Santos é ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT, ex-diretor da Divisão de Geologia e autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão" e "Diálogos Geológicos", além de consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Fonte: A.U.

Um comentário:

  1. O Dr. Álvaro simplesmente questiona e reclama itens que são abordados em cadeiras como hidráulica e saneamento, mas que por qualquer motivo alheio à academia não é levado à pauta das pranchetas.

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